A nova ação revisional do FGTS - Mais uma sentença procedente (1ª Região)

22/01/2014 14:15

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE POUSO ALEGRE/MG – 1ª VARA – Márcio José de Aguiar Barbosa - Juiz Federal Titular

S E N T E N Ç A

Processo nº : 3279-88.2013.4.01.3810

Autores : JOSÉ MARIA RIBEIRO

Réu : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF

Vistos, etc.

Trata-se de ação condenatória visando à alteração do índice de correção monetária das contas do FGTS da(s) parte(s) autora(s), para que seja substituída a TR pelo INPC ou outro índice de preços escolhido pelo magistrado, desde janeiro/1999 e daí em diante até final levantamento dos saldos nas hipóteses legais, com incidência de correção e juros legais sobre os valores atrasados, requerendo também que seja antecipada a tutela para que a partir do ajuizamento os valores já sejam corrigidos pelo índice de preços escolhido.

Informa(m) que a correção monetária do FGTS é regida pelo art. 13 da lei 8.036/90 que determina a aplicação dos mesmos índices aplicáveis à poupança, que esta a partir de fevereiro/1991 passou a ter sua correção determinada pela taxa referencial – TR – nos termos da lei 8.177/91, art. 12, que também determinou aplicar-se ao FGTS a TR do primeiro dia do mês a que se referir (art. 17). Alega(m) que o art. 1º da lei 8.177/91 determinou que a metodologia de cálculo da TR deveria observar normatização a ser fixada pelo CMN e calculada pelo BACEN levando em consideração a média da remuneração mensal dos depósitos a prazo fixo captados pelas instituições financeiras ou da remuneração mensal dos títulos públicos, o que desde então foi feito e continua até o presente.

No presente, o cálculo da TR está determinado pela Resolução CMN 3354/2007 e que, a partir de 1999, com a alteração do regime cambial, a regulamentação do CMN fez com que a TR passasse a se distanciar sobremodo dos índices de inflação, ficando muito aquém da recomposição monetária pretendida na lei

conforme dados coligidos no processo, estando há muitos anos próxima ou igual a 0% ao mês, enquanto a inflação teima em se manter em níveis ainda elevados, resultando em perdas severas à(s) parte(s) autora(s), uma vez que a remuneração total – mesmo considerando a taxa de juros remuneratórios de 3% prevista em lei – está aquém da inflação há muitos anos.

Salienta(m) que em recente julgamento acerca dos precatórios, da EC 62/2009, o E. STF considerou inconstitucionais partes das alterações da EC 62/09 e a lei 11.960/09 que determinava também a aplicação do

índice de remuneração básica da poupança (TR) como correção monetária dos precatórios e RPVs, pois entendeu que essa remuneração básica não tem natureza de correção monetária, não preservando o valor das dívidas fiscais, mantendo, nesse aspecto, remansosa jurisprudência que remonta ao julgamento da ADIN 493- 0/DF, que considera inconstitucional a utilização do índice de remuneração básico da poupança (TR) como índice de correção dos efeitos inflacionários sobre a moeda. Requer(em) a aplicação do INPC ou outro índice ou que se determine uma nova metodologia de cálculo da TR como correção monetária do FGTS, decretando-se a nulidade ou revogando-se o art. 13 da lei 8036/90 e a Resolução CMN 3354/2007. Pede(m) a justiça gratuita.

Regularmente citada, a CEF apresenta contestação na qual alega ilegitimidade passiva, eis que a

formulação da TR está afeta ao BACEN/CMN, cumprindo à CEF unicamente obedecer às normas regulamentares estabelecidas por essas entidades e requer o litisconsórcio passivo da UNIÃO e do BACEN.

No mérito, alega que a TR é legal, prevista no art. 1º da lei 8.177/91 e no art. 13 da lei 8.036/90, seja para remunerar as contas vinculadas como também para atualizar os débitos do empregador para com o FGTS, conforme Súmula STJ 459.

Observa que a opção do legislador por estabelecer a TR como índice de remuneração básica da

poupança, por meio da lei 8.177/91, foi reafirmada quando se negou aprovação a projeto de lei oriundo do Senado (PLS 193/2008), tendo em vista que a TR assegura modicidade aos financiamentos habitacionais e a

reintrodução de índice de preços nos contratos e remunerações do sistema financeiro teve efeitos danosos durante a hiperinflação e que a TR foi estabelecida visando à desindexação da economia.

Alega que o redutor da TR é calculado conforme delegação estabelecida na lei e que a adoção de outro índice iria impactar o sistema habitacional, pois o FGTS é seu principal financiador, com prejuízos à coletividade, aos trabalhadores e aos cofres públicos, requerendo a cabal improcedência dos pedidos veiculados. Trata-se de matéria de direito, cabível o julgamento antecipado (art. 330, CPC). É o relatório. Decido.

II – FUNDAMENTOS

A preliminar da CEF não merece prosperar. Como agente operador e único depositário do FGTS (art. 4º da lei 8036/90), está legitimada para todas as ações em que se discutem matérias atinentes ao fundo, sua PODER JUDICIÁRIO

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remuneração, hipóteses de levantamento e demais litígios entre os beneficiários e o FGTS, o que já foisumulado no verbete nº 249 da súmula do C. STJ.

Não têm a UNIÃO nem o BACEN legitimidade para figurarem ao lado da CEF nessas ações, pois,ainda que sejam os agentes normativos do FGTS, a inconstitucionalidade/nulidade das normas citadas (leis8.036/90 e 8.177/91 e resoluções do CMN/BACEN) foi veiculada apenas como fundamento jurídicoincidenter tantum e não como pedido principal. O pedido principal é a recomposição das contas vinculadas,geridas e operadas pela CEF, única legitimada, portanto, para este processo.

Quanto ao mérito, há parcial procedência nos pedidos.

O FGTS: natureza jurídica de pecúlio constitucional obrigatório, não

portável e de longo prazo

O FGTS foi criado pela lei 5.107, de 13/09/1966, com objetivo de facultar ao trabalhador a opçãopor formar um patrimônio com contribuições mensais do empregador, em substituição às regras deestabilidade no emprego previstas nos capítulos V e VII do Titulo IV da CLT. Trazia duas vantagensprincipais: 1) não exigia o prazo mínimo de permanência no emprego para a estabilidade (10 anos, pelaCLT); 2) permitia uma indenização proporcional ao tempo de serviço quase sempre superior a umaremuneração por ano trabalhado (parâmetro então utilizado), uma vez que a alíquota de 8% sobre as 12remunerações mensais de um ano (mais o 13º) e a taxa de juros remuneratória de 3% ao ano superam – nodecorrer de 12 meses – o valor de uma remuneração mensal.

Para os empregadores, tinha a vantagem de permitir a livre dispensa dos trabalhadores, independentede justa causa ou do tempo de serviço, e a possibilidade de irem paulatinamente formando o fundo devido nadispensa com módicas contribuições mensais de 8% sobre a remuneração, ao invés de terem quedesembolsar o valor total da indenização trabalhista no momento da dispensa. Para o Governo, significouuma das muitas medidas que geraram a poupança que financiou o chamado “Milagre Econômico Brasileiro”

do final dos anos 60 e anos 70, quando, com forte presença estatal e investimentos em infraestrutura ehabitação, o País cresceu a taxas “chinesas” de até 14% ao ano, durante mais de uma década.

Desde a primeira legislação, houve a preocupação de assegurar às contas vinculadas a correção

monetária, o que se vê já no art. 3º da lei 5.107/66, fato incomum na época – quando ainda não haviageneralização da correção monetária, como ocorreu nas décadas seguintes. Isso se deve ao fato de que oFGTS foi criado para ser um fundo de longo prazo, cujos saques eram limitados a poucas hipóteses, pelo quea recomposição das perdas inflacionárias tornava-se imperativa, pois os beneficiários poderiam demorar anosou décadas até poderem sacar seus recursos e, se não houvesse recomposição das perdas inflacionárias, osvalores depositados poderiam se tornar exíguos.

Nessa época, portanto, o FGTS tinha tríplice função: 1) pecúlio opcional do empregado formado porcontribuições do empregador; 2) seguro-desemprego substitutivo da estabilidade prevista na CLT, titulo IV,capítulos V e VII; e 3) indenização pela despedida arbitrária.

A partir da CR/88 houve uma alteração substancial no FGTS. O art. 7º e seus incisos I, II e III, daCR/88, estabeleceram como direitos independentes do trabalhador: a indenização por despedida arbitrária (I),o seguro-desemprego público, de natureza previdenciária (II) e o fundo de garantia do tempo de serviçoobrigatório (III).Dessa forma, a partir da CR/88 – regulamentada pela lei 8.036/90 – o FGTS perdeu as funções de“seguro-desemprego” e de “indenização pela despedida sem justa causa”, assumidas, respectivamente, peloatual “seguro-desemprego” (Lei 7.988/90 e alterações) e pela multa do art. 10 do ADCT-CR/88 (com asalterações da legislação complementar). Manteve sua função de pecúlio do trabalhador formado por do empregador, porém não mais facultativo: o FGTS se tornou um pecúlio obrigatório.

Não há mais opção: todos os empregados são beneficiários e filiados obrigatórios do FGTS.

Além de ser um pecúlio obrigatório cujas hipóteses de levantamento são bastante restritas e quasesempre vinculadas à extinção do contrato de trabalho ou aquisição/financiamento da casa própria (art. 20 da

lei 8.036/90), o FGTS tem uma importante distinção em relação a outros pecúlios privados e poupanças/aplicações realizadas no mercado financeiro: o FGTS NÃO TEM PORTABILIDADE.

Ao contrário de outras opções postas à disposição de empregados e patrões para formar pecúlios oupoupanças, como os fundos de previdência privada ou as aplicações em caderneta de poupança, fundos deinvestimento, títulos públicos ou privados, o titular do FGTS não tem possibilidade de transferir seusrecursos para aplicações mais rentáveis, mais bem geridas ou mais seguras. Ainda que sua remuneração sejamuito insatisfatória ou que o titular da conta do FGTS discorde das políticas de gestão do fundo ou que seatemorize quanto a sua solidez, não há o que fazer, o titular do FGTS não pode transferir ou sacar seusrecursos e aplicá-los em outra modalidade disponível de poupança ou previdência.

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Essas três características – obrigatoriedade, ausência de portabilidade e prazo

longo/indeterminado – que têm base constitucional e legal, tornam ainda mais importante a questão darecomposição do seu valor vis a vis os efeitos corrosivos da inflação sobre a moeda na qual os depósitos sãorealizados: o saldo do FGTS, enquanto pecúlio obrigatório, não portável, por prazo indeterminado e previstoconstitucionalmente, é uma obrigação de valor devida pela instituição operadora ao trabalhador titular daconta vinculada, protegida constitucional e legalmente dos efeitos inflacionários sobre a moeda.

Saliente-se que o art. 13 da lei 8.036/90, expressamente, se adéqua a esse entendimento, uma vez queafirma a necessidade de “correção monetária” sobre os depósitos efetuados no FGTS – reproduzindoexpressão utilizada em todas as leis que regularam o FGTS desde a Lei 5.107/1966. Na época de sua edição(1990), seguindo também a legislação precedente, o art. 13 da lei 8.036/90 vinculou a correção monetáriaà atualização monetária das cadernetas de poupança, que na época eram corrigidas por índices depreço, circunstância que se alteraria a partir da edição da lei 8.177/1991.

A caderneta de poupança a partir de 1991 e a TR: a necessária

desindexação da economia e a desvinculação da inflação passada e futura emrazão da portabilidade e facultatividade da caderneta

A lei 8.177/91 – uma das medidas do chamado “Plano Collor II” – promoveu diversas medidas dedesindexação da economia que foram mantidas e aperfeiçoadas no “Plano Real”, dentre as quais asubstituição da ubíqua correção monetária das cadernetas de poupança por uma remuneração básica não maisatrelada à inflação passada, mas, inicialmente, à previsão feita pelo mercado financeiro de inflação futura: ataxa referencial ou TR.

Como estabelecido no art. 1º da lei 8.177/91, o cálculo da taxa referencial de cada dia seria feito apartir da média das remunerações mensais dos títulos públicos e privados negociados no mercado financeironaquele dia.A razão econômica por trás dessa metodologia é muito simples: as taxas mensais de remuneraçãodos títulos no mercado financeiro em determinada data, em condições normais, representam a previsãoconsensualmente feita pelo mercado financeiro da inflação para aquele período (inflação futura) acrescida deuma taxa real de juros também para o mesmo período. A taxa real de juros (isto é, a parte da remuneração daaplicação financeira que supera a inflação no mesmo período), normalmente, tem certa estabilidade durantegrandes períodos e, basicamente, é controlada pelo BACEN e por sua política monetária.

Portanto, bastaria que a metodologia de cálculo da taxa referencial se adequasse às previsões de taxareal de juros médias em cada período para que o valor da TR se aproximasse da previsão de inflação futurado mercado financeiro. Desse modo, teoricamente, a TR foi criada para remunerar as cadernetas de poupançacom a expectativa de inflação futura no período de aplicação, no lugar da inflação passada. Desindexavase,assim, a caderneta de poupança (principal ativo financeiro na época) dos índices de inflação passada.

Nessa época havia ainda duas outras particularidades do mercado financeiro que tornavam o cálculoda TR mais fácil e mais próximo dessa previsão teórica: 1) o imposto de renda incidente sobre as aplicaçõesfinanceiras tinha como base de cálculo apenas o “rendimento real”, isto é, acima da inflação, e diversosforam os índices decorreção monetária utilizados pelo Fisco (OTN, BTN, BTN-fiscal e, por fim, UFIR) paraidentificar o “rendimento real”; 2) o rendimento real líquido (isto é, descontado do IR) das aplicações erabem superior a 0,5% ao mês, que sempre foi a taxa de juros remuneratórios da poupança.

Essas duas particularidades permitiam que o cálculo da TR fosse feito de forma bem simples. Se

considerarmos “RB” o rendimento bruto médio dos títulos, “IF” a inflação futura prevista pelo mercado e“JR” os juros reais mensais médios, teríamos: (1 + RB) = (1 + IF) x (1 + JR). Para saber a previsão deinflação futura (IF), teríamos (1 + IF) = (1 + RB) / (1 + JR).

A metodologia inicial do Banco Central para cálculo da TR era bem simples: bastava estimar a taxade juros reais na economia por um determinado fator (chamaremos de JR) e calcular: (1 + TR) = (1 + RB)/(1 + JR), onde RB era a média da remuneração bruta mensal da amostra de títulos públicos e privados.

A partir de 1995, com a primeira edição da MP 2.074-73 (MP 1.053, de 30/06/1995), que viria setornar a lei 10.192/2001, foi criada a TBF – taxa básica financeira – definida como a média de remuneraçãobruta mensal da amostra de títulos do mercado financeiro e o cálculo da TR passou a se vincular à TBF pelafórmula simples: (1 + TR) = (1 + TBF)/ (1 + JR), e o fator JR foi sendo alterado pelas resoluções do CMN

para se adequar às previsões de juros reais.

A partir de 1996 (lei 8.981/95), o imposto de renda sobre as aplicações financeiras passou a ser

calculado não mais sobre a remuneração real (descontada a inflação), mas sobre a remuneração total dasaplicações, abandonando-se paulatinamente a utilização da UFIR como indexador no âmbito fiscal, e, com aestabilização promovida pelo Plano Real, as taxas de juros reais começaram a ceder.

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Esses dois fatores fizeram com que o cálculo da TR tivesse que se modificar, pois não havia mais agarantia de que o rendimento líquido das aplicações financeiras fosse sempre superar a previsão de inflaçãofutura mais uma taxa de juros de 0,5% ao mês. Com efeito, é possível demonstrar que, com a cobrança do IRsobre o total da remuneração da aplicação financeira, quanto maior a inflação e quanto menor a taxa de jurosreais, maior a parcela dos juros reais que seria paga ao Fisco como imposto de renda – e, portanto, menor ataxa de juros reais líquida do período.A taxa de juros reais líquida poderia cair abaixo dos juros da poupança.Na hipótese de a taxa de juros reais líquida das aplicações financeiras ficar abaixo da taxa de juros dapoupança, haveria uma migração em massa dos investidores dos títulos públicos e privados para a cadernetade poupança, provocando grandes transtornos no mercado financeiro e na dívida pública. Fazia-se necessárioadequar o cálculo da TR de modo que a remuneração total da poupança (TR + 0,5% ao mês) não superasse aremuneração líquida média dos títulos públicos e privados.

Inicialmente, com a Resolução CMN 2.387/97, o fator (1+ JR) foi substituído simplesmente pelofator R, vinculado à própria TBF por um cálculo um pouco mais complexo e utilizando dois parâmetros, “a”e “b” determinados no normativo.

A partir da Resolução CMN 2.604, de 23/04/1999, o fator R passou a se vincular à TBF e à taxa dejuros da poupança pela fórmula R = a + b x TBF, onde “a” sempre foi 1,005 (fator referente à taxa de jurosmensais da poupança) e “b” foi sendo alterado à medida que as taxas de juros brutas caíam ao longo dotempo. A primeira TR nessa nova metodologia foi referente a 01/06/1999 (art. 3º da Res. 2.604/99).O fator “b”, fixado inicialmente em 0,48, foi sendo reduzido até que, na redação atual da Resolução

3.354/2007, para TBF abaixo de 11%, esse fator “b” tem sido discricionariamente fixado pelo BACEN.Com tal metodologia, o cálculo da TR se desvinculou de seus objetivos iniciais (indicar a previsãodo mercado financeiro para a inflação no período futuro escolhido) para se ater tão somente à necessidade deimpedir que a poupança concorra com outras aplicações financeiras.

O gráfico abaixo dá uma idéia do histórico da SELIC, do IPCA (IBGE) e da TR de janeiro/1999 adezembro/2013 (linhas irregulares), com os respectivos polinômios de aproximação (linhas suaves)1:

VARIAÇÃO MENSAL JAN/1999 A DEZ/2013

-0,150000

0,000000

0,150000

0,300000

0,450000

0,600000

0,750000

0,900000

1,050000

1,200000

1,350000

1,500000

1,650000

1,800000

1,950000

2,100000

2,250000

2,400000

2,550000

2,700000

2,850000

3,000000

3,150000

3,300000

JAN/1999

JUL/1999

JAN/2000

JUL/2000

JAN/2001

JUL/2001

JAN/2002

JUL/2002

JAN/2003

jul/03

jan/04

jul/04

jan/05

jul/05

jan/06

jul/06

jan/07

jul/07

jan/08

jul/08

jan/09

jul/09

jan/10

jul/10

jan/11

jul/11

jan/12

jul/12

jan/13

jul/13

MESES

ÍNDICES

SELIC

TR

IPCA

Polinômio (SELIC)

Polinômio (TR)

Polinômio (IPCA)

Vê-se que há uma queda contínua dos índices mensais da SELIC e da TR, com a TR tendendo a zeroe alcançando esse valor nulo em 2012, enquanto o IPCA tem inicialmente um movimento de queda (que sepercebe no polinômio de aproximação, pois os índices mensais são muito irregulares) até chegar próximo àmédia de 0,45% ao mês por volta de 2006, mantendo-se nesse nível médio desde então.

Olhando as curvas dos índices do IPCA e da TR (curvas irregulares, a da TR quase sempre abaixo doIPCA que é a linha mais irregular) verifica-se que até meados de 1999 as duas curvas estavam praticamentesobrepostas (índices mensais muito próximos) e a partir do segundo semestre de 1999 há um descolamento,com os índices da TR quase sempre muito inferiores ao IPCA, chegando ao final do período com TR igualou muito próxima de 0%. O descolamento se deu, basicamente, a partir da metodologia iniciada pelaResolução CMN nº 2.604, de 23/04/1999, com efeitos a partir de 01/06/1999.

1 Dados obtidos no site do BACEN, nas séries temporais: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries

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Em resumo, a remuneração básica das cadernetas de poupança, que desde sua criação no final dosanos 60 tinha sido realizada por algum índice de inflação passada, foi substituída pela TR por força da lei8.177/91, num movimento de desindexação da economia, inicialmente substituindo a inflação passada pelaprevisão de inflação futura – objetivo do cálculo da TR nos seus primórdios – e, posteriormente,

desvinculando-se totalmente também da inflação futura, pelas sucessivas metodologias de cálculo desseíndice financeiro.Se já quando de sua introdução a TR não mais podia ser utilizada como índice de correção monetária(pois mesmo como “previsão de inflação futura” ela jamais pôde antecipar, de forma matematicamenteprecisa, essa inflação e, portanto, não podia ser utilizada como tal) e isso foi reconhecido pelo E. STF nojulgamento da ADIN 493-0/DF, no último sesquidecênio ela se desvinculou totalmente de qualquercorrelação com a inflação passada ou futura, não podendo jamais servir como índice de correção monetária ede manutenção do valor real de direitos e obrigações, como reconhecido pelo E. STF nos recentesjulgamentos das ADI 4357/DF, ADI 4372/DF, ADI 4400/DF, ADI 4425/DF, que afastaram a utilização daTR para correção das dívidas judiciais como estabelecido na EC 62/09 e na lei 11960/09.

Há dois importantes pontos a se observar.

Em primeiro lugar, a metodologia da TR fixada no art. 1º da lei 8.177/91 é ampla o suficiente parapermitir que sucessivos e distintos cálculos normatizados pelas resoluções do CMN sejam consideradasválidas, pois em nenhum momento a lei 8.177/91 estabelece a obrigatoriedade de a TR se vincular a uma“previsão de inflação futura” ou algo semelhante – apesar de que esse era seu fundamento do ponto de vistaestritamente econômico, quando da publicação da lei .177/91.

Em segundo lugar, as alterações realizadas no cálculo da TR e que finalizaram por reduzi-la a algopróximo de zero, tiveram como fundamento o fato de que as cadernetas de poupança e as demaisaplicações financeiras são portáveis, intercambiáveis, concorrem entre si pelos recursos dosaplicadores: não há nenhuma ilegitimidade ou invalidade evidente em reduzir a remuneração básica dapoupança a percentuais ínfimos, pois o poupador pode, a qualquer tempo, retirar seus recursos da cadernetade poupança e colocá-los em outra aplicação financeira, se não estiver satisfeito. Além disso, as cadernetasde poupança podem ser sacadas a qualquer tempo e rendem mensalmente, são típicas aplicações decurtíssimo prazo, que permitem esse livre trânsito de recursos, se a rentabilidade ficar a desejar.

Isto é, para a caderneta de poupança, a TR calculada da forma atual não é inválida nem ilegítima.Mas tais características de livre portabilidade, de curtíssimo prazo e de facultatividade da

poupança são exatamente opostas às características do FGTS, como já analisado anteriormente.A inconstitucionalização progressiva do art. 13 da lei 8.036/90 c/c arts. 1º e17 da lei 8.177/91

O dinamismo do Direito e da vida social que ele regula impõem, em certos casos, a necessidade deverificar a existência ou não de validade e legitimidade atuais de normas que, na sua origem, eramperfeitamente válidas e legítimas.

Isso porque situações concretas da vida social e normatizações paralelas que incidem sobre os

mesmos fatos originalmente tratados pela norma primitiva podem fazer com que seus objetivos sedesvirtuem, seus fins, inicialmente válidos e legítimos, passem a se opor à Constituição e seus princípios.

Oriunda da teoria constitucionalista alemã e já sufragada pelo E. STF em alguns julgados (v.g. HC70.514/SP, RE 147.776, RE 135.328/SP), é a construção doutrinária chamada de “inconstitucionalidadeprogressiva” ou progressivo processo de inconstitucionalização de normas jurídicas originariamente válidas.

É a situação dos autos. O art. 13 da lei 8.036/90, ao estabelecer que “Os depósitos efetuados nas contasvinculadas serão corrigidos monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dosdepósitos de poupança e capitalização juros de (três) por cento ao ano”, claramente objetivava dar continuidade aoprincípio estabelecido desde a lei 5.107/66 de que o pecúlio representado pelo FGTS é uma obrigação devalor, imune aos efeitos corrosivos da inflação, sujeito a correção monetária de seus depósitos e aindavencendo juros remuneratórios “reais” (acima da inflação) de 3% ao ano.

Não apenas dava continuidade à tradição do FGTS, como densificava de forma válida, conforme àConstituição, o direito trabalhista fixado no art. 7º, III, da CR/88, que previu o pecúlio obrigatório do fundode garantia. Tratando-se de pecúlio obrigatório, não portável, a ser usufruído após longo prazo de suaformação, é mais razoável a interpretação de que a norma constitucional contém implicitamente aobrigatoriedade de que o valor desse fundo seja protegido da corrosão inflacionária.

À época da publicação da lei 8.036/90, a “atualização dos saldos dos depósitos de poupança

também era feita por índices de inflação. Fica claro que o art. 13 da lei 8.036/90, ao vincular a correção doFGTS à da poupança, visava à plena proteção do FGTS quanto aos efeitos corrosivos da inflação.

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Com a edição da lei 8.177/91, que criou a TR no seu art. 1º e no seu art. 17 estabeleceu que para finsdo art. 13 da lei 8.036/90 a TR aplicável ao FGTS seria aquela calculada no dia primeiro de cada mês, ascoisas já começam a tomar uma forma distinta.

A “atualização dos saldos dos depósitos da poupança” deixa de se dar por índice de correção

monetária e passa a se dar pela TR, com metodologia a ser fixada por órgão administrativo, inicialmenteobjetivando ser uma previsão implícita de inflação futura feita pelo mercado financeiro, mas sem nenhumagarantia de que tal metodologia se manteria – como não se manteve. A necessidade de adequar a TR aosnovos tempos de reduzidos juros reais e alteração no cálculo do imposto de renda das aplicações financeiras,fez com que ela fosse reduzida a ponto de se tornar praticamente nula, para evitar que houvesse uma fuga derecursos das aplicações financeiras para a caderneta de poupança.

Isto é, progressivamente, o art. 13 da lei 8.036/90, c/c art. 17 da lei 8.177/91 e com o art. 1º da lei8.177/91, deixou de garantir ao FGTS a recomposição das perdas inflacionárias, sujeitando o FGTS a perdasconsideráveis em relação à inflação. As tabelas abaixo dão uma idéia das imensas perdas incorridas e docaráter progressivo, da aceleração da perda do FGTS em relação à inflação medida por vários índices (aremuneração do FGTS nesses cálculos inclui a correção e os juros):

COMPARAÇÃO ENTRE FGTS E ÍNDICES DE PREÇO

01/07/1994 = 1000,00 - Valores corrigidos ate 01/01/2014

FGTS INPC IPCA IGP-M

4.890,29 4.564,84 4.450,60 5.836,80 <== Valor corrigido

7,13% 9,88% -16,22% <== Ganho/Perda (+/-) Acumulado em %

0,35% 0,48% -0,90% <== Ganho/Perda (+/-) Por ano em %

COMPARAÇÃO ENTRE FGTS E ÍNDICES DE PREÇO

01/01/2003 = 1000,00 - Valores corrigidos ate 01/01/2014

FGTS INPC IPCA IGP-M

1.645,47 1.867,56 1.870,51 1.987,67 <== Valor corrigido

-11,89% -12,03% -17,22% <== Ganho/Perda (+/-) Acumulado em %

-1,14% -1,16% -1,70% <== Ganho/Perda (+/-) Por ano em %

COMPARAÇÃO ENTRE FGTS E ÍNDICES DE PREÇO

01/01/2011 = 1000,00 - Valores corrigidos ate 01/01/2014

FGTS INPC IPCA IGP-M

1.111,25 1.189,21 1.193,84 1.195,69 <== Valor corrigido

-6,56% -6,92% -7,06% <== Ganho/Perda (+/-) Acumulado em %

-2,23% -2,36% -2,41% <== Ganho/Perda (+/-) Por ano em %

Em todas as tabelas, considera-se um depósito de R$1.000,00 feito em 01/07/1994 (início do PlanoReal), 01/01/2003 (início do governo Lula) e 01/01/2011 (início do governo Dilma). Na primeira coluna àesquerda, está o valor atualizado desse depósito no FGTS (com correção e juros) e o mesmo valor atualizadopor 3 índices de preço (INPC e IPCA, do IBGE, e IGP-M da FGV), até 01/01/2014.

Na segunda linha das tabelas, o ganho ou perda acumulado da remuneração total do FGTS em

relação aos índices. Na terceira linha, o ganho ou perda anual do FGTS em relação a cada índice.

Observa-se que a remuneração total do FGTS (incluindo juros) é inferior ao IGP-M em todos os

períodos e essa perda vai se acentuando com o passar do tempo: de 07/1994 a 01/2014 a perda anual é de -0,9%, de 01/2003 a 01/2014 a perda anual é de -1,7% e no governo Dilma a perda chega a -2,41% ao ano.

No caso dos índices do IBGE, no período desde o Plano Real há um pequeno ganho real anual

(+0,35% e +0,48%, respectivamente), que se transforma em perdas reais anuais a partir do governo Lula (-1,14% e -1,16%) e que são aumentadas no governo Dilma (-2,23% e -2,36%).

Em termos econômicos, isso quer dizer que a taxa de juros reais do FGTS – que a lei prevê em+3% ao ano – está NEGATIVA: os beneficiários do FGTS estão perdendo da inflação ano a ano e essaperda tem se acelerado, chegando a -2,36% ao ano no governo Dilma, nos últimos 3 anos, pelo IPCA/ IBGE.

Mesmo se considerarmos o período desde o Plano Real (primeira tabela) e os índices de preço doIBGE, os ganhos reais (acima da inflação) de +0,35% e +0,48% ao ano, respectivamente, são muitoinferiores àquilo que a lei prevê, +3% ao ano.

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE POUSO ALEGRE/MG – 1ª VARA – Márcio José de Aguiar Barbosa - Juiz Federal Titular

Está claro que fatores alheios ao legislador da lei 8.036/90 fizeram com que o art. 13

progressivamente se tornasse inconstitucional, na parte em que vincula a correção monetária das contas doFGTS aos índices de atualização da poupança e estes, por sua vez, passam a ser calculados por metodologiaprevista nos arts. 1º e 17 da lei 8.177/91, que não mais garante a recomposição das perdas inflacionárias.

Como se viu no tópico anterior, a metodologia iniciada pela Resolução CMN 2.604, de 23/04/1999,com efeitos a partir de 01/06/1999, deu início ao descolamento da TR dos índices de inflação, sendo esse omomento que se deve fixar para a recomposição das contas do FGTS.

Diante do exposto, tendo em vista o que já decidido pelo E. STF no caso da lei 11.960/09 e o fato deo FGTS ser um pecúlio constitucional obrigatório, não portável e de longo prazo, cuja garantia derecomposição das perdas inflacionárias está implícita na disposição do art. 7º, III, da CR/88, que asseguraesse direito trabalhista fundamental a todos os trabalhadores, é de se declarar inconstitucional, pelo menosdesde a superveniência dos efeitos da Resolução CMN 2.604, de 23/04/1999, a vinculação da correçãomonetária do FGTS à TR, conforme art. 13 da lei 8.036/90 c/c arts. 1º e 17 da lei 8.177/91.

Tendo havido pedido expresso para utilização do INPC e sendo esse índice utilizado nos benefíciosprevidenciários e, neste Juízo, para correção monetária das dívidas judiciais, entendo razoável e maisconsentâneo com as finalidades do FGTS que seja esse o índice de correção monetária dos saldos do FGTS.

III - DISPOSITIVO

Nessas razões, julgo parcialmente procedentes os pedidos para declarar a inconstitucionalidadeparcial superveniente do art. 13 da lei 8.036/90 c/c arts. 1º e 17 da lei 8.177/91, desde 01/06/1999, pelanão vinculação da correção monetária do FGTS a índice que venha recompor a perda de poderaquisitivo da moeda, e condenar a CEF a:

1) no caso dos depósitos do FGTS não levantados até a data da recomposição:

a) recalcular a correção do FGTS desde 01/06/1999, substituindo a atualização da TR

pelo INPC, mesmo nos meses em que a TR for superior ao INPC ou que o INPC for negativo,mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da lei 8.036/90, depositando asdiferenças corrigidas na(s) conta(s) vinculada(s) respectiva(s);

b) pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas apuradas no

item “a”, desde a citação até a data da recomposição da(s) conta(s) vinculada(s), depositando os jurosna(s) conta(s) vinculada(s) respectiva(s);2) no caso dos depósitos do FGTS levantados entre 01/06/1999 até a data da recomposição:

a) recalcular a correção do FGTS desde 01/06/1999, substituindo a atualização da TR

pelo INPC, mesmo nos meses em que a TR for superior ao INPC ou que o INPC for negativo,mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da lei 8.036/90, até a data dolevantamento a partir da qual a diferença deverá ser corrigida unicamente pelo INPC até o depósitoem juízo nos termos do art. 475-J do CPC;

b) pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas do item “a”

desde a citação até a data do depósito em juízo nos termos do art. 475-J do CPC.

Indefiro a antecipação da tutela, haja vista a possibilidade de irreversibilidade do provimento, nostermos do art. 273, §2º, do CPC, ausente também o periculum in mora, uma vez que não existe demonstraçãode interesse ou necessidade urgente de utilização dos recursos adicionais.

Deferida a justiça gratuita, ante a existência dos pressupostos da lei 1.060/50.

Sem custas, em vista da gratuidade judiciária. Em se tratando de causa do JEF, sem condenação emhonorários; em se tratando de causa do procedimento ordinário, fixo honorários em trezentos reais, a serempagos pela CEF, conforme art. 20, §4º, do CPC, por se tratar de causa sem instrução probatória e comfundamentos padronizados, considerando a inconstitucionalidade do art. 29-C da lei 8.036/90.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Pouso Alegre/MG, 16 de janeiro de 2014.

Márcio José de Aguiar Barbosa

Juiz Federal Titular da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Pouso Alegre/MG