Desconsideração da personalidade jurídica em matéria ambiental
Sabe-se que a distinção entre pessoa jurídica e pessoa física surgiu como forma de se viabilizar o exercício da atividade econômica, para resguardar os bens pessoais de empresários e sócios no caso de falência da sociedade empresária.
Entretanto, em muitos casos, essa proteção concedida pelo ordenamento jurídico é utilizada de forma abusiva e com o objetivo de se lesar credores.
Diante da constatação deste abuso, abre-se espaço para a incidência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, segundo a qual, no caso concreto, é proferida uma decisão judicial que afasta o princípio da autonomia patrimonial da sociedade, de forma a atingir diretamente os bens dos sócios, desde que comprovada a ocorrência dos requisitos autorizadores do referido instituto.
A desconsideração da personalidade jurídica se mostra um instrumento interessante para inibir práticas nocivas decorrentes da utilização de regras jurídicas protetivas da sociedade empresarial por seus sócios, com o objetivo primordial de se esquivar das responsabilidades ou, até mesmo, de agir fraudulentamente.
Em matéria ambiental, a desconsideração da personalidade jurídica encontra previsão no artigo 4º da Lei 9605/98, que assim dispõe:
“Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
Tal preceito legal tem estreita relação com o princípio da função social da empresa, uma vez que o ordenamento jurídico não pode conceder proteção a uma pessoa jurídica que não exerce suas atividades de forma sustentável e não faz a necessária ponderação entre os princípios do livre exercício da atividade econômica e da defesa ambiental (CR/88, artigo 170, incisos III e VI).
Constatada a insuficiência patrimonial da pessoa jurídica para reparar ou compensar os prejuízos ambientais por ela causados, deverá ser determinada a desconsideração da personalidade jurídica, independente da comprovação de culpa ou da atuação com excesso de poderes dos sócios.
Isso porque, o dispositivo legal acima mencionado não exige a prova de fraude ou de abuso de direito para o afastamento do absolutismo da personalidade jurídica.
Assim, o afastamento da personalidade jurídica tem total pertinência com os valores ambientais previstos na Constituição da República, na medida em que direciona a atuação do Poder Judiciário para atingir diretamente os bens dos verdadeiros responsáveis pelo dano ambiental, de forma que os sócios infratores passem a responder de forma ilimitada, em razão de sua atuação nociva ao meio ambiente e à coletividade.
Neste sentido, foram proferidas as seguintes decisões jurisprudenciais:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Execução de sentença - Dano ao meio ambiente: "uma vezpraticados atos que danificaram o meio ambiente por pessoa jurídica e na impossibilidade de obter recursos para satisfação de sua condenação, nada mais justo que se aplique a desconsideração da pessoa jurídica, arcando seus sócios também com o prejuízo" - Recurso não provido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. 6ª Câmara de Direito Público. Agravo de Instrumento nº 139.758-5 - Relator: Vallim Bellocchi – julg,. em 13.03.00, original sem grifos)
EMENTA execução fiscal por multa ambiental - desconsideração da pessoa jurídica - cabimento - desrespeito à legislação ambiental - todos os sócios administradores que, à frente da cooperativa, causaram danos ao meio ambiente, devem ser responsabilizados - direito indisponível ao meio ambiente sadio titularizado pelas presentes e futuras gerações - responsabilidade solidária caracterizada - agravo provido. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 8432505600, Relator (a): Renato Nalini, Comarca: Promissão, Data de registro: 26/03/2009, original sem grifos).
Em vista dos argumentos apresentados, conclui-se que a efetivação da referida opção legislativa mostra-se de suma importância na luta pela preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, com o objetivo específico de se promover a recuperação da área degradada pela pessoa jurídica objeto da desconsideração.